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Filhos

Não posso ensinar aos filhos a não errar. O que me cabe é ajudá-los a restaurar, a dar a volta por cima, a cuidar do estrago e procurar a dignidade da emenda.

Há uma obsessão dos pais de fazer avançar a qualquer custo. De ir para frente, de pular de série, de alcançar a excelência das notas, de profissionalizar o tempo e ocupar os horários para não tropeçar em bobagens. Educar é mandar, ser educado é aceitar ordens.

Tudo é sempre uma única vez, movida a frases sentenciosas “Não irei repetir” ou “Presta atenção”. Quantos meninos e meninas se deprimem por não encontrar uma segunda chance na família?

Penso o contrário. Sinto o contrário.

Compreendo que a criança não poderá voar se não andar primeiro. Mais do que nunca, precisa saber voltar atrás. Ter passado mais do que futuro. Isso significa suportar a frustração, reagir quando as coisas não acontecem como esperadas. Contar com tristeza suficiente para sair da tristeza e se levantar. Mimar é não permitir que nada se quebre. Amar, de outro modo, é reconstituir os estilhaços.

Não penalizar por uma nota ruim com castigo e privação dos prazeres, mas dar a consciência de que o conceito é provisório e que é natural melhorar. Estimular o pequeno com a própria dificuldade. Recompor o que foi estragado, reconstituir um desenho rasgado, remontar os escombros e não se envergonhar pela demora.

Deixo as esculturas mancas na sala. Não me importo como as visitas vão reagir ou se passarão a me observar com desconfiança. Os defeitos permanecem expostos. A vida é para ser usada.

– Fabricio Carpinejar –

Amigos

Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade. Mandar relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação.

Os amigos são para toda a vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira. Temos o costume de confundir amizade com onipresença e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão. Amizade não é dependência, submissão. Não se têm amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra. É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.

Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa. Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas. E já se está falando mal dele por falta de notícias. Logo dele que nunca fez nada de errado!
O que é mais importante: a proximidade física ou afetiva? A proximidade física nem sempre é afetiva. Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.

Amigo mesmo demora a ser descoberto. É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.
Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios. São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem-estar.

Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade. Aqueles que não estão perto podem estar dentro. Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente. Não vou mentir a eles ¿vamos nos ligar?¿ num esbarrão de rua. Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.

Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados. Ou passar em casa todo o final de semana e me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos. Caso encontrá-los, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação. Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.

Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia, do blog. Significativos em cada etapa de formação. Não estão em nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinando, de modo imperceptível, as nossas atitudes.
Quantas juras foram feitas em bares a amigos, bêbados e trôpegos? Amigo é o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade.

– Fabricio Carpinejar